Diretores e Historiadores

A edição número 7 da revista MOVIE traz uma matéria muito interessante com o diretor Ridley Scott que fala sobre o seu último filme Robin Hood. Scott diz que se sentiu muito atraído a realizar essa nova versão de Hood, pois poderia contar de forma mais “realista” essa história, apoiado em fontes históricas. Aliás, Ridley Scott se mostra sempre muito interessado quando o conteúdo que aborda em seus filmes contem material histórico, peguemos por exemplo, Gladiador, Cruzada e 1492 – A Conquista do Paraíso. E várias também foram obras cinematográficas que procuraram atrair o publico apelando para os fatos históricos como Rei Arthur, mas até onde a liberdade poética atrapalha a interpretação desses fatos históricos? O cineasta estaria disposto a fazer o trabalho de um historiador?

Para chegar à conclusão de um “fato histórico”, o historiador pesquisa muito até apontar uma versão para um determinado momento da história. Digo “versão”, pois mesmo entre os historiadores não há consenso sobre determinados fatos, não há uma “verdade
absoluta”. Peguemos como exemplo os acontecimentos que levaram Getúlio Vargas ao poder em 1930. Algumas versões apontam para uma “Revolução de 30”, outras para um “Golpe de 30”. Estabelecer versões para se contar uma história é algo semelhante que ocorre na linguagem cinematográfica.

Acredito que Ridley Scott deve ter lido muitos materiais a respeito da provável existência de Robin Hood, como ele próprio afirma na matéria da revista MOVIE: “são quase seis séculos de histórias sobre esta figura heróica que teima em voltar ao imaginário dos ingleses da Idade Média. Há chances de que ele tenha existido”. No entanto, ao espectador, não é dada a oportunidade de se conhecer tais fontes. Assim como um diretor, o historiador vai selecionando aquilo que mais lhe interessa quando quer desenvolver um trabalho mais focado. Enquanto os historiadores ainda utilizam a escrita como aporte de expressar suas reflexões, os diretores de cinema utilizam da imagem para expressar suas impressões a respeito do conteúdo que querem transmitir e seleciona também aquilo que acha mais conveniente – por acaso Mel Gibson ao fazer Apocalypto queria falar sobre os rituais de sacrifícios dos Maias ou fazer mais um filme violento? Com certeza ele escolheu os elementos que mais o interessava, reinterpretou-os e fez de Apocalypto o filme que é.

Os diretores de cinema estariam dispostos a fazer filmes com comprometimento histórico e deixar de lado a sua marca autoral? Acredito que um posicionamento não exclui o outro. Cruzada de Ridley Scott pode ser um bom exemplo – aliás prefiro o título desse filme no original, Kingdom of Haven. Neste filme Scott pega personagens históricos, como Sibila – irmã do rei de Jerusalém, Balduíno IV – e reescreve sua trajetória para criar um par romântico com o protagonista do filme, e essa é uma atitude normal de um diretor, a licença poética, mas os fatos históricos estavam retratados no enredo – o contexto entre a Segunda e a Terceira Cruzada, os valores, os sentimentos históricos que são tão caros aos historiadores. Mas nem todo pretenso filme histórico consegue manter esse equilíbrio, usemos mais uma vez Ridley Scott como exemplo. Em seu 1492 – A Conquista do Paraíso os termos históricos ficam muito aquém do esperado. O filme romantiza, idealiza muito a figura de Cristovão Colombo transformando-o num protetor dos nativos, fato que não encontra apoio em fontes históricas, visto que o próprio Colombo possuía escravos nativos da América. Na verdade 1492 era um produto muito conveniente para o momento em que ele foi lançado, em 1992 quando se comemorava os 500 anos do “descobrimento” da América.

A liberdade poética é algo que os historiadores não podem se dar ao luxo. Preencher as lacunas da história com “achismos” é algo que deve ser evitado. No entanto são essas lacunas que fazem terreno fértil a cabeça dos diretores. Um exemplo de diretor que soube trabalhar com essas lacunas foi Oliver Stone. Este próprio se considerava um historiador. Vários filmes de Oliver Stone possuíam um forte apelo histórico como Nascido em 4 de Julho, Salvador - O Martírio de um Povo, Platoon, JFK - A Pergunta Que Não Quer Calar e Nixon. Nesses filmes Stone procurou lançar uma nova visão aos fatos importantes da história contemporânea dos Estados Unidos. Cutucando feridas em Nascido em 4 de Julho - abordando a Guerra do Vietnã - ou levantando polêmicas em JFK – sobre a possível conspiração responsável por ter assassinado o presidente John F. Kennedy. No entanto mais uma vez temos que nos atentar que tais obras constituem uma versão do conteúdo que aborda.

Tratar de histórias conhecidas apostando no teor histórico delas para garantir a “originalidade” não é algo exclusivo em Robin Hood de Ridley Scott. O “teor histórico” serviu de pretexto para que Antoine Fuqua fizesse, em 2004, Rei Arthur, apelando para a provável história real por trás do mito.

A História hoje vê a importância do Cinema como fonte histórica, mas o Cinema sempre viu a importância da História como fonte para realizar enredos que agradariam ao público e até em alguns casos fazê-lo refletir sobre a sua realidade. Fazer uma leitura da realidade, seja ela do passado e/ou do presente, instigando a critica do seu público alvo é um trabalho que pode – e deve – ser exercido por diretores e/ou historiadores.

Comentários

  1. Ridley Scott é um ótimo diretor, só por ter dirigido o Alien e Blade Runner ele já merece um grande respeito, mas dizem que os filmes mais "históricos" dele tem um apelo que enverga mais pro comercial do que para o retrato fiel dos acontecimentos, nada contra, mas prefiro as mais ficcionais, e que venha o gladiador robin hood :D

    a e parece que a Helena faz a rainha vermelha e não a rainha de copas (que andam dizendo por aí que não são a mesma pessoa)no filme da Alice eu nunca li o livro então não sei se procede, dá uma checada ;)

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